segunda-feira, 3 de março de 2014

Continuação....Feitas para Durar : " Construindo relógios, não dando o tempo"


2. [1] Construindo Relógios, não Dando o Tempo

O título acima é a tradução do título em inglês.  O tradutor para o português foi muito infeliz em traduzir o título como “Dar as Ferramentas, não impor as Soluções”.  A tradução não comunica de forma alguma a força do conceito original.  Este conceito é fenomenal.  Divisor de águas.  Simples.  Profundo.  Mudando o rumo de minha vida.  Nas citações abaixo eu uso a tradução do inglês em vez da tradução “Dar as ferramentas, não impor as soluções”

“Imagine que você conhecesse uma pessoa incrível que tivesse a habilidade de olhar para o sol ou as estrelas a qualquer hora do dia ou da noite e informar a hora e dia exatos: ‘Hoje é dia 23 de abril de 1402, são 2 horas, 36 minutos e 12 segundos.’ Esta pessoa seria um incrível relógio ambulante e nós provavelmente a veneraríamos por sua capacidade de informar as horas e o dia.  Mas esta pessoa não seria muito mais incrível se, em vez de nos informar as horas e o dia, ela fizesse um relógio que pudesse dizer as horas para sempre, mesmo quando esta pessoa não estivesse mais entre nós?

“Ter uma grande idéia ou ser um líder visionário carismático é o mesmo que ‘dizer as horas’; criar uma empresa que possa continuar prosperando sem que um determinado líder tenha que estar presente e ao longo dos ciclos de vida de vários produtos é como “fazer um relógio”.  O primeiro pilar que sustentou nossas conclusões – e o assunto a ser tratado neste capítulo – mostra como os criadores de empresas visionárias tendem a construir um relógio, não dizer as horas.  Seu objetivo principal é erguer uma organização – fazer um relógio que funcione – em vez de acertar em cheio no mercado com a idéia de um produto visionário...  Eles assumem uma abordagem arquitetural e se concentram em definir os traços organizacionais de empresas visionárias...  Sua maior criação é a própria empresa e aquilo que ela representa” (44-45). 

Nossa pesquisa mostra uma falha em dois mitos muito defendidos e alimentados que dominaram o pensamento popular e a educação nas faculdades de administração durante muitos anos: 1) o mito da grande idéia e 2) o mito do grande líder carismático.  Numa das conclusões mais fascinantes e importantes das nossas pesquisas, descobrimos que criar e erguer uma empresa visionária não requer (apenas) uma grande idéia nem um grande líder carismático.  Na verdade, descobrimos que grandes idéias introduzidas por líderes carismáticos podem ser negativamente relacionadas com a criação de uma empresa visionária” (45).

O Mito da “Grande Idéia”

O livro dá repetidos exemplos de grandes idéias ou grandes líderes que marcaram o início das empresas, na mostra de controle, e que passaram; não se mantiveram com o passo do tempo.  Conta a história da origem de três das empresas visionárias, A Hewlett Packard, a Sony e a Wal-Mart (super supermercado).  Eles não se destacaram inicialmente por grandes idéias ou grandes líderes carismáticos.  Se destacarem em qualidade, em fazer melhor que os outros (49).

Pode ser melhor não ficar obcecado em encontrar uma grande idéia antes de abrir uma empresa.  Por quê?  Porque a abordagem da grande idéia não permite que você veja a empresa como sua criação mais importante (52).

A Empresa em Si É a Criação Mais Importante

Tivemos que deixar de ver a empresa como veículo para os produtos e passar a ver os produtos como veículo para a empresa (53).

A sorte favorece aqueles que são persistentes...  Os criadores de empresas visionárias eram pessoas altamente persistentes e seguiam à risca o seguinte lema: Nunca, nunca, nunca desista.  Mas persistir em quê?  Resposta: na empresa.  Esteja preparado para matar, rever ou desenvolver uma idéia (a GE abriu mão do seu sistema original de corrente contínua e adotou o sistema de corrente alternada), mas nunca desista da empresa.  Se você acha que o sucesso da sua empresa é o mesmo que o sucesso de uma idéia específica como muitos empresários acham – será mais provável que você desista da empresa se a idéia falhar; e se a idéia der certo, será mais provável que você fique emocionalmente ligado a ela e insista nela durante muito tempo, enquanto a empresa deveria estar desenvolvendo novas idéias.  Mas se para você a criação mais importante for a empresa, não a execução de uma idéia específica ou ganhar dinheiro com uma oportunidade fugaz de mercado, você poderá persistir além de qualquer idéia específica – boa ou ruim – e caminhar em direção ao sucesso como uma instituição duradoura (53-54). 

Falando de Hewlett-Packard (HP), “eles deixaram de projetar produtos para projetar uma organização – criar um ambiente – que levasse á criação de grandes produtos.  Em meados da década de 1950, Bill Hewlett deu um exemplo de como construir um relógio num discurso interno:

Nossa equipe de engenharia se manteve razoavelmente estável.  Isto foi programado, não um acaso.  Engenheiros são pessoas criativas, por isso antes de contratarmos um engenheiro, queríamos ter certeza de que ele trabalharia num ambiente estável e seguro.  Também queríamos garantir que cada um de nossos engenheiros tivesse uma oportunidade de longo alcance dentro da empresa e projetos adequados com os quais trabalhar.  Outra coisa que nos preocupava era ter certeza de que nossa supervisão fosse adequada para que nossos engenheiros ficassem felizes e produzissem o máximo possível.... (O processo de) engenharia é um dos nossos produtos mais importantes [grifo dos autores]... nós vamos implementar o melhor programa de engenharia que vocês já viram.  Se vocês acham que se saíram bem até agora, esperem mais dois ou três anos para ver nossa equipe de laboratório produzindo e os supervisores em ação.  Aí, sim, vocês vão ver o que é progresso! (54).

David Packard repetiu o conceito de construir um relógio em um discurso feito em 1964: “O problema é o seguinte: como se pode desenvolver um ambiente em que os indivíduos possam ser criativos?” (54-55).

A criação mais importante de Bill Hewlett e David Packard não foi o audioosciloscópio nem a calculadora portátil.  Foi a empresa Hewlett-Packard e a sua filosofia (55).

Gostaríamos que você pensasse nesta mudança crucial de pensamento – quando se passa a ver a empresa como a criação mais importante.  Se você está desenvolvendo ou gerenciando uma empresa, esta mudança tem implicações significativas sobre a forma como o seu tempo será gasto.  Significa passar menos tempo pensando sobre linhas de produto e estratégias de mercado específicas e gastar mais tempo pensando sobre o projeto da organização...  Significa se esforçar menos em dizer o tempo e mais em construir um relógio...  Sugerimos que o fluxo contínuo de grandes produtos e serviços das empresas altamente visionárias seja originário do fato de que elas são organizações que se destacam e não vice-versa.  Lembre-se de que todos os produtos, serviços, programas e grandes idéias, não importa o quão visionários sejam, um dia se tornam obsoletos (56).

O Mito do Grande Líder Carismático

“Se você for um líder perfeito e carismático, ótimo.  Mas se não for, também não há problema, pois você está em boa companhia, junto às pessoas que criaram empresas como a 3M, a P&G, a Sony, a Boeing, a HP e a Merck.  Nada má, essa turminha” (60).

“Talvez a continuidade de indivíduos incríveis na direção de empresas visionárias tenha origem no fato de que as empresas são organizações que sobressaem e não vice-versa” (60).

Uma Abordagem Arquitetural: Construidores de Relógios Trabalhando!

Wal-Mart versus Ames

“Walton (CEO do Wal-Mart) valorizava a mudança, experimentação e a melhoria contínua...  Mas ele não ficava só pregando estes valores, ele instituía mecanismos organizacionais concretos para estimular a mudança e a melhoria.  Através de um conceito chamado “Uma Loja dentro da Loja”, Walton deu aos gerentes departamentais autoridade e liberdade para dirigir cada departamento como se fosse seu próprio negócio.  Ele criou prêmios em dinheiro e dava reconhecimento público aos funcionários que contribuíssem para cortar custos e/ou dessem idéias para melhorar os serviços que pudessem ser usadas em outras lojas.  Criou concursos para encorajar os funcionários a tentar fazer experiências criativas.  Ele instituiu reuniões de negócios para discutir as experiências que deveriam ser selecionadas para uso em toda a cadeia e reuniões aos sábado de manhã, onde normalmente era apresentado um funcionário que tivesse tentado algo novo que tivesse dado certo.  A participação nos lucros e a venda de ações para funcionários eram um incentivo direto para que eles dessem novas idéias que beneficiassem a empresa como um todo.  Dicas e idéias geradas pelos funcionários eram publicadas na revista interna da Wal- Mart.  A Wal-Mart até investiu num sistema de comunicações via satélite para comunicar os pequenos detalhes à empresa o mais rápido possível.  Em 1985, o analista de ações A.G. Edwards descreveu o funcionamento perfeito da Wal-Mart:

A equipe trabalha num ambiente em que as mudanças são encorajadas.  Por exemplo, se um... funcionário da loja dá sugestões relativas a promoções ou idéias para cortar custos, estas idéias são rapidamente disseminadas.  Multiplique cada sugestão por mais de 750 lojas e mais de 80.000 funcionários (todos tem o potencial de dar sugestões) e terá um aumento de vendas, reduções de custo e um aumento de produtividade substancial.

“Enquanto Walton se concentrava na criação de uma organização que pudesse evoluir e mudar de forma independente, os líderes da Ames (concorrente) impunham todas as mudanças de cima para baixo, fornecendo um livro com instruções detalhadas sobre como um gerente de loja deveria agir, sem dar espaço a iniciativa” (64-65).

Motorola versus Zenith

“O maior sonho do fundador da Motorola, Paul Galvin, era criar uma empresa excepcional e duradoura.  Galvin, arquiteto de uma das mais bem-sucedidas empresas de tecnologia da história, não tinha conhecimentos de engenharia, mas contratou excelentes engenheiros.  Ele encorajava divergências, discussões e discórdias, dando aos indivíduos ‘oportunidades de mostrar o que eles podiam fazer sozinhos’.  Ele estabeleceu desafios e deu às pessoas uma enorme responsabilidade para estimular o crescimento e o aprendizado da organização e das pessoas que faziam parte dela, normalmente através de falhas e erros.  O biógrafo de Galvin resumiu: ‘Ele não era um inventor, mas um criador que tinha nas pessoas o seu projeto’.  Segundo seu filho, ‘Muito cedo ele ficou obcecado pela sucessão gerencial.  Ironicamente, ele não tinha medo da sua morte.  Sua preocupação era a empresa [grifo dos autores]” (65-66).

Mensagem para Diretores, Gerentes e Empresários

“O que estamos fazendo não é nada mais que pedir a você uma mudança no seu ponto de vista tão fundamental quanto aquelas que antecederam a revolução de Newton, de Darwin e a fundação dos Estados Unidos” (70).

“Pense mais em termos de ser visionário do ponto de vista organizacional para juntar as características de uma empresa visionária” (71).

“Na fundação dos Estados Unidos... Thomas Jefferson, James Madison e John Adams não eram líderes visionários carismáticos do tipo ‘tudo depende de mim’.  Eles eram visionários do ponto de vista organizacional.  Eles criaram uma Constituição que seria obedecida por eles e todos os futuros líderes.  Sua preocupação era construir um país.  Eles rejeitaram o modelo do bom rei.  Eles usaram uma abordagem arquitetural.  Eles construíram um relógio!

“Mas preste atenção: no caso dos Estados Unidos eles não fizeram um relógio frio e mecânico de Newton ou Darwin.  É um relógio baseado em ideais e valores humanos.  É um relógio baseado em necessidades e aspirações humanas.  Tem espírito. 

“E assim chegamos ao segundo pilar das nossas conclusões: não adianta construir qualquer relógio, precisa construir um certo tipo de relógio...  Por enquanto, é importante ter em mente que uma vez que o seu ponto de vista muda de dizer as horas para construir um relógio, grande parte daquilo que é necessário para se criar uma empresa visionária pode ser aprendido” (72-73).

Perguntas para reflexão:

1.      O compromisso com qualidade é uma das marcas de empresas visionárias.  Deixe-me oferecer esta definição de qualidade: fazer a coisa certa da forma certa como alicerce para a multiplicação.  Qual frase mais chama sua atenção?  Quais as implicações para sua vida?

2.      Quais as implicações da definição de qualidade para sua empresa, sua Ong, sua igreja em seu Estado ou cidade?

3.      Na citação de Bill Hewlett na pagína 15, enumere as características do que ele queria fornecer para os engenheiros que trabalhariam para ele.  Quais delas (ou outras parecidas) seriam importantes para sua empresa?  Para sua Ong?

Perguntas opcionais:

4.      Na descrição de Wal-Mart versus Ames na página 16, enumere os incentivos ou formas que o Walton usou para incentivar criatividade no Wal-Mart.  Quais delas ou outras parecidas seriam importantes para sua empresa?  Para sua Ong?

5.      O que você pensa que mais precisa mudar para que sua empresa se torne ou se mantenha como empresa visionária? 

6.      O que você pensa que mais precisa mudar para que sua empresa, Ong, se torne ou se mantenha como organização ou movimento visionário? 



[1] Resumo do capítulo 2 de Collins, James C., e Porras, Jerry I.; Feitas para Durar: Práticas Bem-Sucedidas de Empresas Visionárias, Rocco, 1994 (inglês), 1995 (português).  Comentários em azul indicam acréscimos do David Kornfield.  As perguntas de reflexão no final também são acrescentadas.